Roberto Eduardo da Costa Macedo, nasceu em Santo Tirso, em 14 de Julho de 1887 e faleceu a 19 de Julho de 1977 no Porto.
Filho de Eduardo da Costa Macedo e de Anastácia Cristina de Azevedo Sanches. Casou com Ana Coelho Hargreaves. Narrou histórias, fez poemas e poesias. Publicou vários livros em prosa e verso, os quais alguns serão citados aqui...

Páginas

A História mais Bela e mais Sombria

De família modesta, sem dinheiro,
casou-se com humilde carpinteiro.

E tão pobre ficou este casal
que nasceu o seu filho num curral.

O berço deste foi a manjedoura
onde comiam a jumenta e a toura.

De palha solta deram-Lhe o colchão
como se fora a uma ovelha ou cão.

Nunca, até agora, mais modesto abrigo
se dispensou para qualquer mendigo.

Mas este quadro de miséria extrema
é um canto de amor, um doce poema.

Não é por ser nascido num castelo
ou em palácio que se nasce belo

ou que se tem o génio ou o talento,
iman na voz, o sol no pensamento.

A simpatia, a graça, a formosura,
dons afectivos, candidato, ternura,

não fazem privilégio de alta roda,
das damas da nobreza e grande moda.

Dessa pobre Mulher do humilde povo
nasce um Menino que é o Mundo Novo,

a ideia nova, a redenção, a aurora,
a luz do amor, a voz libertadora.


Logo ao nascer era de maravilha


toda a expressão que no seu modesto leito
o crê predestinado a grande feito.

Tanto correu e se espalhou a fama
que até os Reis de muito longe chama

e também veio vê-Lo pressuroso
o tirano, o soberbo, o invejoso,

que logo acharam, para si, perigo
no mísero curral, no humilde abrigo;

que logo, tendo em conta seu regalo,
ao Menino, planearam de matá-Lo,

Mas esta pobre Mãe, triste plebeia,
para o seu Filho todo o mal receia;

Da visita dos maus Ela adivinha
o fim, o vil intuito que continha;

E resolve fugir... espera a noite,
sombra que tudo esconda, onde se acoite;


Numa jumenta cavalgando vai,
com o Filhinho ao colo, aquela Mãe,


levando ao lado atento caminheiro,
como zeloso guarda, o carpinteiro.

Procuram os caminhos mais escusos,
apavorados, trémulos, confusos,

e só pararam atingindo o alvo,
o seu Menino Amado ver a salvo,

quando chegaram a outro país amigo,
onde encontraram protecção e abrigo.

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E o Menino cresceu e correu Mundo
e mais cresceu o seu saber profundo,

pois ainda criança aos mestres espantava,
com as sábias respostas que lhes dava.

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A Força avassalava a maioria,
o povo, a multidão, tudo sofria;

O Senhor tinha mando e privilégio,
e dava e transmitia o poder régio;

Filho de escravo era também escravo,
que podia espremer-se como um favo,

amoldar-se à vontade do senhor,
sem compaixão, sem atender à dor;

O idolatra da força estava em voga,
era o carrasco que vestia a toga.

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Então Esse de humilde nascimento
começou a pregar seu pensamento.

Era belo e incisivo no dizer,
quem o escutasse era incitado a crer.

Discípulos, em breve, conquistava,
sua doutrina mais se propagava.

O sofredor, o pobre, o deserdado
achavam maravilhas no Seu brado.

O tirano, o soberbo, o invejoso
também veio escutá-Lo pressuroso.

Ele exaltava o humilde, o que sofria;
o império de Seu Pai lhe prometia.

Pregava o amor a Deus, Seu Pai Celeste,
e se exprimia sempre em nome Deste:

«Quem não amar, na terra, o semelhante
ofenderá Meu Pai, no mesmo instante»

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E a Mãe no Filho toda se revia,
mas o tirano não adormecia

e novo susto, nova dor a espreita;
ele prepara-lhe a feroz receita:

Entre os amigos de O que prega o Amor,
descobre, encontra o réptil traidor.

O beijo duma boca envenenada
foi o primeiro gesto da cilada.

O beijo denuncia, identifica,
depois surge a chicana, a fraude, a trica;

esbirros são armados em juízos,
a decisão do arbítrio quer raízes,

quer dar-se à burla aspecto de decência,
o traficante joga na aparência.

A causa de principio está julgada,
em bastidor foi a sentença dada,

se pinta a Via Sacra e o Calvário
para servir de fundo no cenário.

A trama urdida só a um fim conduz,
a que se pregue o Justo sobre a cruz.

Aquele que somente amor exprime
se acusa e culpa do mais negro crime;

a gente rica, bem tratada e nédia
nem sequer se apercebe da tragédia;

o povo ladra, no seu louco engano,
cão assolado, a soldo do tirano;

com medo dos terrores, dos castigos,
apavorados fogem os amigos.

Só Ela fica, sem receio a nada,
quer com o Filho ser crucificada.

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A Igreja, velha, sábia e previdente,
todos os anos, infalivelmente,

grita ao rebanho, chamar-lhe à memória
essa tragédia, essa sombria história,

pois nela vive o sentimento amargo
de que anda o lobo farejando ao largo;

para evitar o assalto do inimigo
que é bem preciso reforçar o abrigo,

manter, para o combate ao malefício,
espírito de heroísmo e sacrifício,

se for preciso, transportar a cruz,
saber nela morrer, como Jesus!

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A Mãe que mais amou e mais sofreu,
ao Filho inteiramente consagrada,
em nuvens de almas se elevou ao Céu,
ao som de hinos de Glória e de Alvorada.

Humilde, frágil, filha de plebeu,
com simples carpinteiro era casada,
curral foi a morada onde nasceu
a Vida que Ela viu crucificada.

Atingiu da beleza a plenitude:
Pela escada subiu do sofrimento
ao vértice do amor e da virtude.
Nunca existiu amor tão vivo e atento!
Mães, que supondes vossa empresa rude,
eis montanhas de fé, rios de alento!
Porto, Abril de 1955
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A HISTÓRIA MAIS BELA E MAIS SOMBRIA foi enviada a Sua Santidade o Papa Pio XII, do que resultou:
A SECRETARIA DE ESTADO DE SUA SANTIDADE
cumpre o honroso dever de comunicar que o Santo Padre recebeu com prazer a devotada homenagem acompanhada de expressões de filial veneração pela Sua Augusta Pessoa e, como testemunho de Sua Benevolência, concede de todo o coração a Bênção Apostólica.

Vaticano, 28 de Dezembro de 1955

Ao alto, sob o brasão, lê-se «SECRETARIA DI STATO DI SUA SANTITÁ»

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No envelope lê-se Ex.mo
Roberto Macedo
Rua de Oliveira Monteiro, 823 - PORTO

Ao cimo, vem colado selo postal de 160 com os dizeres:
«POSTE VATICANE» - «745 - 1954 - S. BONIFÁCIO - 
APOSTOLO DELLA GERMANIA
Este selo é inutilizado como dois carimbos com data de 28-12-955 e os dizeres: «POSTE» «DEL VATICANE»



CAMÕES - Filho de Ana Sá e Macedo



Eduardo da Costa Macedo - CAMÕES, filho de Ana Sá e Macedo from Arq. Alberto Costa-Macedo

LUÍS VAZ CAMÕES
Filho de Ana Sá e Macedo

I
Naquela Alma pura e rutilante
Guiada pelos ventos do destino
Havia um Sonho lúcido divino
Com um eco d' amor - harpa distante.

Já ouvia cantar ao longe o hino
Sagrado do futuro; o triunfante
Chamava à sua pátria - a sua amante,
Lendo o céu como um livro sibilino.

Entre no Paço e a nova luz o banha
De uns olhos fulgurosos, luz estranha
Que lhe torna felizes os seus dias.

Não há ainda no azul um traço escuro:
Como é belo sonhar... ver o futuro
Banhado de clarões e de harmonias!

II
Ele saúda o Sol - Astro Bendito
No meio dessa  lúcida grandeza
Que rege do seu trono a Natureza,
Tendo o poder em toda a parte escrito.

E sobre o mar, sonhando nova empresa,
Se a saudade lhe leva o peito aflito,
Acompanha-o das ondas fundo grito
E a Lua no seu manto de tristeza.

Voltam-lhe então dulcíssimas visões:
Começa a inflamar-se a alma de Camões
Inspirada no poema universal.

Eis por fim em seu livro a nossa gloria:
Já que o deixou morrer entregue à História.
Erga-o e celebre-o hoje Portugal.
POEMA
 DE
EDUARDO DA COSTA MACEDO
PARA AS
FESTAS DO 3 CENTENÁRIO DE CAMÕES
Homenagem dos POETAS
Palácio de Cristal
Porto, 27 de Março de 1880
PORTUGAL

CANTIGAS






















[Obra de Teresa Lobo da Costa Macedo]

Cantigas,
quero cantigas,
que não contenham cicuta,
que não mordam como ortigas,
que me não lembrem a luta,
a labuta
dos duros dias da vida
com seio que não coite
aquele afã,
essa lida,
que vai de manhã
à noite.
Quero romance risonho
quero cantigas de amor,
quero cantigas de sonho,
quero cantigas em flor.
Poesia escrita, possivelmente,
entre 1930-1940

O AMOR

[Obra de Teresa Lobo da Costa Macedo]

Ao penetrar na jaula a bela domadora,
Sacude-se o chicote, em suas mãos, nervoso.
E a fera (leão altivo) humilde e sofredora
Até ao chão abate o corpo musculoso,
Ao penetrar na jaula a bela domadora!

Ao ver junto a seus pés o leão triste e humilhado,
Retesa altivamente o corpo fino e belo,
E ergue a cabeça loira olhando-o a ele de lado...
E toda a gente adora essa estátua de gelo,
Ao ver junto a seus pés o leão triste e humilhado!

Aquela deusa linda e vaporosa e fria
De novo ergue o chicote e, castigando a fera,
Contempla-a com prazer e um ar de fidalguia,
Enquanto o leão parece olhar com dor sincera
Aquela deusa linda e vaporosa e fria.

O leão, o rei do bosque, o amante heróico e bravo,
Aquele que matava e trucidava dantes,
Agora está mudado, é simplesmente escravo!
Tem um feroz senhor nuns olhos faiscantes
O leão, o rei do bosque, o amante heróico e bravo.

Sentiu, porem, um dia, a humilhação mordê-lo;
Nas garras a tomou irado e vingativo
E os dentes lhe cravou no peito tenro e belo,
O amante mais devoto, o humilhado cativo!...
Sentiu, porém, um dia, a humilhação mordê-lo.

Correu pela assistência um frémito de dor,
ao ver o leão lançar-se à linda rapariga,
Cravando-lhe no peito os dentes com furor.
Sentindo o leão voltar à sua fúria antiga,
Correu pela assistência um frémito de dor.

O frio coração da bela domadora
calcou sempre no herói as suas ânsias lidas,
Porém na arena jaz ela vencida agora.
Golfando sangue, lembra um fogo em labaredas
O frio coração da bela domadora!
Coimbra, março de 1910

AS MARGARIDAS

[Obra de Teresa Lobo da Costa Macedo]

Ainda o Inverno perdura,
desalmado fevereiro,
já Primavera a moldura
talha, alinhando o canteiro,
o canteiro do jardim,
com tão brancas margaridas,
que até me parece a mim
do Céu chegarem descidas,
a trazerem a promessa:
- de acariciante calor,
de ninho que se começa,
de carinhos e de amor.

E meus olhos, que tal viram,
levaram-me ao coração
a caricia que sentiram.
Não o fizeram em vão:
- Nascem lembranças e sonhos,
em velhos tempos imersos,
mais rosados que medronhos...
... e encontro-me a fazer versos.
Porto, fevereiro de 1959

MEU IDEAL

[Obra de Teresa Lobo da Costa Macedo]

I
Tu julgas que eu não sofro, coitadinha,
- como és ingénua e deste mundo alheia! -
porque em meu livro apenas se adivinha
toda a ventura que a minha alma anseia.

Julguei a minha sorte tão mesquinha,
que, como bom artista, desprezei-a.
A força que descrevo não é minha,
a crença, vendo-a noutrem, cobicei-a.

Pintei não o que sou, mas meus desejos.
Sou novo e bem preciso dos teus beijos,
sou triste, necessito dum consolo.

Ó meu Amor, meu Bem, não sei mentir,
Dá-me promessas dum feliz porvir,
Deixa-me que enleie os braços no teu colo.

Novembro de 1912

II
Pintei-me forte como quero ser;
ama-me triste e débil como sou;
pois foi para adoçares meu sofrer
que a Natureza, filha , te criou.

A menor dor me custa a padecer;
tão alto o meu orgulho me levou!
Mas Deus, ao dar ao Homem a Mulher,
de todo, para sempre, o consolou:

Darei por bem empregue todo o pranto,
se tuas finas mãos forem depois
secar-me os olhos, com afago santo.

Na Vida, que ainda agora principio,
vamos, sigamos, sempre a par, os dois.
- dar-me há, na luta, o teu amor, mais brio.


Santo Tirso, Janeiro de 1913


TEUS SEIOS

[Obra de Teresa Lobo da Costa Macedo] 

De tanto os ver arfar, arfar, arfar...
- quando os meus olhos a mirar-te quédo -
os teus seios me fazem recordar
dois pombos novos a tremer de medo,
que fugir tentam... sem poder voar.

São o altarzinho, Virgem sem pecados,
que tanto olhar enamorado  atrai;
teus seios são os frutos delicados
que, tão somente quando sejas mãe,
poderei ver de todo sazonados.

E tão puros até, que o próprio Deus
os não destina as bocas venenosas.
Ele os criou para os filhinhos teus
com lábiozinhos tenros como rosas,
com o candor dos querubins dos Céus.

Por isso, meu Amor, depressa, vem,
vem a meus braços, dá-te por isso vencida;
que havemos de vivera mesma vida
e que teus filhos serão meus também.

Ânforas cheias de preciosos vinhos!
teus seios - dias ondas de desejos -
são como dois emplumes passarinhos
que para o cibo - meus ardentes beijos -
cheios de fome estendem seus biquinhos.

MOEDA AMOR

[Obra de Teresa Lobo da Costa Macedo]

Quem tem a moeda Amor
tem a riqueza mais cara,
a sua arca é uma ara,
possui o maior valor.


Só a Alma, quando vibra,
é a sua fundição
e tem maior cotação
do que o dólar ou a libra.


Arrecada esse tesouro,
porque to podem roubar.
Essa moeda sem par
vale mais que prata e oiro.


Os ladrões andam à solta,
a manobrar pelo escuro,
nenhum tesouro é seguro...
depressa a sorte se volta.


Nossa Senhora Roubada
tem sete espadas no peito;
assim, quem ama é sujeito
a ter vida torturada.


E Jesus Nosso Senhor,
o imaculado Jesus,
foi pregado sobre a cruz
só por ser o Rei do Amor.


Lágrimas de Amor não vêm
apurar ao canto dos olhos;
cristalizam entre abrolhos,
o coração as detém.


Correr por Amor não cansa;
quero, amando, envelhecer...
Morrer de amor é viver,
quem ama é sempre criança.


Martírios de Amor! Quem há-de
condenar-lhe os desvarios,
se ele corre, como os rios,
para o Mar...da Santidade!



Porto, Portugal, 19...

AS MÃOS

[Obra de Teresa Lobo da Costa Macedo]


As duas mãos
Talhadas como irmãos,
entrelaçadas,
casadas,
unidas,
erguidas,
nas orações,
são, penso ao vê-las,
creio, ao ergue-las,
dois corações.

E no labor
lançadas,
acasaladas,
são o amor,
amor fecundo
e construtor
renovador
do Mundo!

SENHORA MÃE

Aqueles que, nos seus peitos,
beberam amor e vida
estão agora homens feitos.

Foi o seu ventre guarida
primeira desses gigantes
agora em luta aguerrida,
em ânsia e sonho constantes
de acharem novos destinos,
mudados do que eram de antes,
dos seus tempos de meninos,
rebeldia e destinos.

Quanto amor, quanta paciência
e quanta luta e canseira
 a dar-lhes independência,
desde a hora feiticeira
em que o filho vem à luz,
em que mostra a vez primeira,
à Mãe, que o toma nos braços,
bendizendo a sua cruz.

Aqueles divinos traços
de seu rosto de menina
 foram-se tornando baços...
Aquela elegância fina,
que tinha, mesmo aos cinquenta,
precipitou-se na ruína.

Mas que brilho agora ostenta
essa cabeça nevada!
Novo, encanto se cimenta,
que é, sem dúvida, alvorada!

Cercam-na puros amores,
lábios que gritam por ela,
sinceros admiradores,
olhos a acharem-na bela,
em  coro sempre a crescer
e a subir para uma estrela,
porque se eleva o seu ser
cada vez para mais alto,
mais alto no resplender...
Já não caminha no asfalto,
o Céu alcança num salto,
um coro de anjos a chama.

Tem hoje mais quem lhe diga
palavra ternas de amor
do que ouviu em rapariga.

Gravitam ao seu redor
- da esposa, da mãe, da avó -
o beijo, o riso, a flor,
Do risco de ficar só
ela agora não partilha,
tudo inspira menos dó.

Ao templo conduz a filha,
a noiva que vai casar;
E, com majestade, brilha,
respeitável, posta a par
do seu passado amoroso,
do seu distante sonhar.

Ante a aguardar receoso
da parturiente, no leito,
ela espera o intimo gozo
de achegar tranquila, ao peito,
um sadio e belo neto,
bem segura do seu jeito.
E, assim, um passo discreto
novo, fervoroso afecto.

É quando a idade lhe veda
continuar a ser fecunda
que, em vez de ingressar em queda,
sobe, cresce, alastra, inunda,
em rio, em mar, a família,
que, em sangue e amor se funda,
com jus a fervente homilia.
Porto, Portugal, Verão 1958

AVANTE!

A Humanidade ansiosa,
impaciente e nervosa,
acha noite tormentosa
este século presente.

Um futuro mais ridente,
uma vida mais formosa,
mais cómoda e luxuosa,
mais barata e bonançosa
- eis a visão cor de rosa
da Humanidade ansiosa.

Nessa ambição de progresso
(minha túnica de Nesso)
também eu não arrefeço.

Ao ideal me arremesso;
à Ciência tudo peço;
não sei andar ao avesso;
dos que param me despeço.

Amo a cidade brilhante,
o movimento constante,
ordenado e perturbante
da multidão ofegante.

Adoro a vida frenética,
a onde a corrente eléctrica
invisível e possante
arrasta o carro gigante
e pela noite horrorosa
espalha luz copiosa.

Desejo a velocidade
e tenho ânsias de altura
a serra orgulhosa e dura
e à fulgante claridade
que afugenta a noite escura
e policia a cidade.

Bendigo a locomotiva,
que marcha veloz a activa,
numa avançada festiva,
sobre a milha humilde e esquiva,
que nuns segundos cativa,
esmagando-a imperativa,
e logo acha despreziva,
deixando-a, a trás, fugitiva.

Exalto o braço colosso
do poderoso motor
no seu contínuo vigor
e inalterável esforço.

Exalto o braço colosso
do poderoso motor,
concepção de homens astutos,
de engenhos extraordinários,
que supre mil operários
e embaratece os produtos.

Deslumbra-se o avião,
elevando-se do chão;
com ele meus olhos vão
e também meu coração
a pairar na Imensidão.

Sobe mais minha razão,
meus sonhos mais subirão,
sobe mais minha ilusão.

Gente moça e aguerrida,
fresca e alegre Mocidade,
tem mil segredos a Vida,
porém não cesses na lida,
não quedes desiludida
de achar um dia a Verdade.

Não pares nem um bocado:
é pequena a Humanidade
e o Progresso ilimitado!

Nesta marcha de ansiedade,
estou sempre no meu peito
a febre de novidade
o sonho do mais perfeito.

Não pares nem um instante.
Marchemos! Avante! Avante!
Sátão, 1919

A INJUSTIÇA

Todos pedem Justiça, todavia
o tesouro moral da Humanidade
sem a Injustiça não existiria.

O rio que transborda, a água que invade
os campos marginais, dano causando,
é que lhe dá verdor, fertilidade.

Só a Virtude tem realce quando
pecado ou tentação a põe à prova
e a pretende arrastar no seu comando.

Atirada a semente para a cova,
com lodo ou com adubo misturada,
nos dá a planta, uma promessa nova.

E se melhor exemplo se procura,
em Sócrates, Jesus ou Joana d'Arc
se vê logo a Injustiça de moldura,

ser compelido a violento embarque
se cicuta, na cruz, sobre a fogueira,
aquele que por justo ou sábio marque.

Se não fora o abismo a cachoeira
não se formava, não existiria,
nem a montanha era tão altaneira.

Convém rever esta filosofia.
Antes de condenar é bem preciso
achar o senso exato da harmonia;
de contrário, errareis vosso juízo.
Porto, Agosto de 1951

O MAR


Apenas fita em mim, o seu olhar
esse grande titã fero e despótico,
meu corpinho frágil e neurótico
tem toda a vida que ele vive, o Mar.

Força, poder, e o dom de adivinhar
me dá aquele singular narcótico.
E que ventura a desse amante erótico
que enleia a Terra num continuo amar!

A que heróica façanha o Mar me impele!
Venturoso de mim quando sou ele,
quando o meu peito as ondas sintetiza.

Meus ser a minha carne dolorida,
minha alma goza plenamente a Vida,
Que força colossal me hipnotiza!
30 de Outubro de 1912

ESCRAVIDÃO

Eu que a Liberdade tanto adoro,
Vivo por Ela e sempre Dela;
Que, só de imaginar venha a perde-la,
Derramo na minha alma intimo choro;

Eu que escutei, como celeste coro,
A voz, dos Ramas e dos Cristos, bela,
Eu cuja crença, cuja mente, vela
O seu altar onde, prostrando-me, oro;

Eu que lamento a mão fraca e indefesa
Contra qualquer humano despotismo,
Contra o poder até da Natureza;

Nasci para viver nesta ansiedade.
E, porque Nela, e sempre Nela, cismo
Sou escravo da mesma Liberdade.

DIA MUNDIAL DA POESIA

O Poema Escravidão é dedicado ao Dia Mundial da Poesia

OS PECADOS MORTAIS

I
SOBERBA
Soberba, orgulho, vaidade,
(chamam-lhe alguns presunção)
é cheia de magestade,
vazia de coração.

Soberba tem grande pança,
cara carrancuda e torta,
Soberba, cheia de chança,
de si apenas se importa.

II
AVAREZA
Avareza tudo quer,
se tem muito mais quer ter;

Com a vista arregalada,
Avareza não vê nada;
Põe-se a ouvir, a escutar,
e só ouve blasfemar;

Arrecada noite e dia
e acha sempre a arca vazia.

III
LUXÚRIA
Luxúria desvergonhada,
em impúdica atitude,
maneira a língua acerada
a difamar a Virtude.

Com rastejada paciência,
e o seu fito principal
é cativar a inocência,
conduzi-la para o mal.

Luxúria, filha infecunda
da Mentira e do Pecado,
saboreia a nódoa imunda,
ama o chão enlameado.

Pelas vielas impuras
a Luxúria se conduz,
mas sempre a horas escuras,
sempre a escapar-se da luz.

IV
IRA
Ira é atolada,
tem um focinho ferino,
grita por tudo e por nada,
fala sem jeito e sem tino.

O senso dela é um vime,
a sua agulha um punhal
afiado para o crime;
tem cadastro criminal.

V
GULA
Gula come, come, come,
mas por vício, não por fome;

de mastigar não descansa,
nem que tenha cheia a pança;

quando trata de entornar,
então bebe até tombar;

a mastigar e beber
é que ela sabe viver;

os seus dentes são os malhos
e as digestões seus trabalhos;

de seus feitos alardeia
se se senta à mesa alheia;

para comer do que gosta,
sempre a comer vence a aposta;

da Gula (cano de esgoto)
é a palavra o arroto.

VI
INVEJA
A Inveja é maldizente,
a todos chama canalha;
sua língua impenitente
é verdadeira navalha;

como nasceu torta e feia,
tem rancor à Formosura,
mas toda se pavoneia
e sobrepô-la procura;

até o próprio Talento
ela despreza e odeia,
porque todo o seu tormento
é não achar uma ideia.

VII
PREGUIÇA
Doença gera indolência
e a indolência a doença;
são da mesma parecença
e são a mesma na essência.

A preguiça não se lava,
na porcaria vegeta;
como o tempo a envergonhava,
espatifou a ampulheta;

é a viscosa minhoca,
que se arrasta e mal caminha,
para meter-se na toca
ou no papo da galinha.

Um dia, diz-lhe alma forte:
- «Preguiça, qual o teu mal?»
e ela, trágica e fatal,
responde-lhe: - «pouca sorte».