Roberto Eduardo da Costa Macedo, nasceu em Santo Tirso, em 14 de Julho de 1887 e faleceu a 19 de Julho de 1977 no Porto.
Filho de Eduardo da Costa Macedo e de Anastácia Cristina de Azevedo Sanches. Casou com Ana Coelho Hargreaves. Narrou histórias, fez poemas e poesias. Publicou vários livros em prosa e verso, os quais alguns serão citados aqui...

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O EGRÉGIO PROFESSOR

Traçando as feições do Lente,
e aluno compõe binómio
dos termos santo e serpente
ou divindade ou demónio.

Do urso ao cábula varia
do binómio o resultado:
o elogio, a simpatia
ou o rancor declarado.

Mas este, sem divergência,
no revela, à saciedade,
o saber e inteligência
enlaçados na bondade;

Face de linhas corretas
e de sorriso aliciante
é como espelho do esteta,
do prosador elegante.

Vinci falava certeiro,
expondo a alma construtora
a modelar, como o oleiro,
do interior e para fora.

Nunca foi o Padre Eterno
do Olimpo professoral,
foi o Professor moderno
sem prosápia de Imortal;

Nunca usou de estilo enfático
de enfatuada realeza,
pôs no ensino senso prático,
uma expressão de clareza;

Era tanta essa clareza,
que até o menos astuto
se acercava de certeza,
se convencia de arguto;

Calmamente, sem ferir,
sem rispidez ou violência,
possuía o condão de abrir
as portas da inteligência;

Neste límpido sentido
se achava o melhor provento,
o aluno mais distraído,
sem querer estava atento.

Guia sábio e desvelado
ele foi o bom pastor,
que, em vez de usar o cajado,
se fez seguir por amor;

Em vez da fúria dos hunos
de humilhações e desrespeito,
despertava nos alunos,
admiração e respeito.

Não deu a mão à sebenta,
pois em livros escreveu
sua ciência suculenta,
quanto destes consta é seu.

E, nas aulas, essa ciência
ministrou diretamente
com equilíbrio e paciência
sem carater de assistente.

São ensinamentos tais
de sólidas, fundas raízes,
que sobem aos Tribunais
e fornecem luz aos Juízes.

Com estas sábias lições
o resultado está feito:
mínimo-reprovações;
quanto ao máximo-o proveito.

E reciproca amizade,
nesta esfera acolhedora,
nasce na Universidade
e perdura a vida toda.

Todo se deu ao ensino
de alma, vida e coração
com a exaltação de um hino,
a crença de uma oração;

Sempre firme, sempre atento,
nunca abandonou a liça,
no sublime pensamento
de abrir caminho à Justiça.

Sem nunca ter sido fera,
para os homens de amanhã,
como Professor impera
na Cátedra Coimbrã.

Ao juvenil Professor
vaidoso, duro e silvestre,
de chicote, à domador,
aponto o exemplo do Mestre.

A todo o cultor de leis
merece o mais alto preito
José Alberto dos Reis;
Mestre e Doutor de Direito,

ao perfazer os oitenta,
se revela tão afoito,
tal brilho mental ostenta,
que parece ter vinte oito.

Com toda a sinceridade,
quisera esculpir melhor,
com brilho de mocidade,
vivacidade e calor.

Mas desculpe-se a pobreza
do cinzel do estatuário;
Por certo a idade lhe pesa,
é quase septuagenário
Porto, 1955

O MEU SORRISO

O Poeta passou por mim um dia
e perguntou porque sempre sorria

e eu respondi-lhe... respondi sorrindo
e, moço e sonhador, fui prosseguindo.

Passou o tempo... e o Poeta faleceu
e o meu cabelo loiro embranqueceu;

mas hoje em meu ouvido ressoou
essa pergunta que ele formulou.

Será acaso permitido ao velho
rever-se olhando o seu antigo espelho,

outra vez moço?

 A aurora vespertina
tem o rubro clarão da matutina;

nem a rosa da linha Primavera
sobre a do Outono em cor e graça impera;

e o sonho, o amor, a fé, a ansiedade
são sentimentos que não têm idade.

Mas, Poeta amigo, em que pensava eu?
Naquilo que tu pensas lá no Céu.

Viste por ti passar sorrindo um anjo
da Terra estranho a todo o humano arranjo,

a todo o humano arranjo cá da Terra
agora em fúria, em truculenta guerra.

Vê: - Nero e Tigelino num braseiro
acabam de lançar o Mundo inteiro

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E eu pensava, que viria
bem cedo aquele prometido dia

em que os homens deviam dar-se as mãos,
trocar-se as mãos, amar-se como irmãos,

dessa aliança purpurina e sã
que se desenha na visão cristã.

E eu pensava estar certo de que a esfera
é mais veloz e forte do que a fera;

que na alavanca há menos valimento
do que no bem polido rolamento;

que melhor cura a chaga o emoliente
do que a tenaz em brasa, o ferro ardente;

que a palavra de amor, sendo bem dada,
quebra a lança, o punhal e vence a espada;

que os impérios da força duram pouco,
são máquinas forjadas por um louco,

pois a razão equilibrada guia
dentro das sábias regras da harmonia,

não marcham em estampidos de revolta,
sem fé, com desatino, à rédea solta;

em doce e progressiva evolução
é que se lança a nova construção.

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E apesar das agruras do presente,
mantenho, no meu peito, renitente,

o sonho antigo... e, com fervor, insisto
em crer na bela previsão de Cristo.


Eis, Poeta amigo, como te preciso
o motivo, a razão do meu sorriso.


À memória de António Sardinha

DESEJADA




Tens sido para mim somente a Desejada,
pois nunca a minha face aproximei da tua.
O meu amor ideal é a luz da Luz,
da Lua que ilumina e não aquece nada.

Apenas surges tu - visão etérea, alada,
na sombra que me cerca, inteiramente nua,
a luz do teu olhar sobre a minha alma actua,
deixando-a de visões e sonhos povoada.

Nudez que ninguém mais descobre ou adivinha!
Nem sabes tu, meu Bem, com quanto ardor te quero,
sabendo que és só minha, e toda, toda minha.

E nunca a tua carne em minhas mãos agarro!
- É porque Deus (vê lá que belo sonho gero!)
Não soube traduzir, minha visão, em barro.