Roberto Eduardo da Costa Macedo, nasceu em Santo Tirso, em 14 de Julho de 1887 e faleceu a 19 de Julho de 1977 no Porto.
Filho de Eduardo da Costa Macedo e de Anastácia Cristina de Azevedo Sanches. Casou com Ana Coelho Hargreaves. Narrou histórias, fez poemas e poesias. Publicou vários livros em prosa e verso, os quais alguns serão citados aqui...

Páginas

O ARAUTO



- O ARAUTO - 
Semanário Regionalista e de Cultura
Dois transmontanos -Trindade Coelho e Costa Macedo
28 de Outubro de 1971


Será difícil encontrar duas almas tão irmãs como as de Trindade Coelho e Costa Macedo e dois espíritos que tão sentida e reciproca se admirassem no que respeita a caráter, bondade e inteligência.
Ao longo convívio literários suponho ter-se iniciado em Coimbra, talvez aí mesmo se tivessem conhecido pessoalmente, embora ambos eles, mas principalmente Costa Macedo, tivessem revelado talento, nesse campo, no Porto, no período de estudos secundários.
Mas foi depois de Costa Macedo se ter fixado , como advogado em Santo Tirso e Trindade Coelho, depois de ter peregrinado por comarcas provincianas, como delegado do Procurador Régio, conseguir assento em Lisboa, que esse convívio se tornou notável.
Para levar a final a narrativa, sinto ser indispensável concentração de espírito, método ordenador e devoção religiosa.
Todas as tentativas iniciadas, para entrar na rota desejada, têm sofrido desfalecimentos, pausas e retornos.
Mas embora o caminho seja longo e dificil, tenho fé em que há-de alcançar o meu esforço solução satisfatória, para aqueles que vierem a debruçar-se sobre a análise e a narrativa.

Comecemos:

- I -

TRINDADE COELHO nasceu a 18 de junho de 1861, na vila de Mogadouro, distrito de Bragança, sendo filho legítimo de João Trindade e de Narcisa Rosa da Silva Trindade Coelho.
A mãe faltou-lhe na infância, ficando-lhe dela, na adolescência, uma vaga ideia.
O pai sucumbiu, única pessoa que podia ajudá-lo, quando o filho frequentava o quarto ano de Direito.
Foi o pai quem desveladamente cuidou da educação e instrução do filho, proporcionando-lhe, na sua terra, na infância, mestres para o habilitarem nos estudos primários e trazendo-o, depois para o Porto, onde o internou em colégio onde veio a efetuar os estudos secundários durante seis anos.
Seguidamente, transitou para Coimbra, matriculando-se na Universidade, no curso de Direito
TRINDADE COELHO veio da sua terra para o colégio do Porto, terra da naturalidade da mãe, trazido pelo seu pai de barco, pelo rio Douro, desde a foz do rio Sabor.

§

COSTA MACEDO nasceu em Favaios, concelho de Alijó distrito de Vila Real, sendo filho legítimo de António Roberto Álvares da Costa e de Maria do Carmo de Macedo, que atingiram proveta idade, superior aos 80 anos.
Não foram os pais quem desempenhou o papel principal na educação e instrução dos filhos: Augusto, Eduardo, Pedro, Benedito e Adelaide.
Foi o tio materno Pedro de Macedo quem, a cavalo, de Favaios para o Porto, foi trazendo junto a si, uma a uma, as crianças.
A todas acolheu em sua casa, ora no Porto, ora em Vila Nova de Gaia, e a todas dispensou os cuidados e carinhos do mais desvelado pai.
COSTA MACEDO (EDUARDO) assim agasalhado e protegido paternalmente, realizou seus estudos primários e secundários no Porto, até ingressar na Universidade de Coimbra, no curso de Direito.

§

Diz-nos TRINDADE COELHO:
- «Meu pai era a maior bondade que há no mundo. Mas não queria parecer bondoso para não parecer fraco, ele que era também um forte e o maior trabalhador que tenho conhecido. Nunca deu uma esmola diante de gente; mas nunca recusou uma esmola (quantas vezes maior do que as suas posses!) estando sozinho; e os pobres, os abandonados e os ricos todos lhe deviam, e o seus maior prazer era obsequiar e a sua maior alegria ser útil a alguém.
Toda a gente morria por ele, até as crianças, e ainda hoje se diz lá na minha terra nalguma grande dificuldade, porque era também muito inteligente e a tudo acudia: - Se fosse vivo o Sr. João Trindade...»
Mas o pai bondoso também sabia ser severo. Na «Autobiografia», as suas memórias, TRINDADE COELHO nos conta a respeito do pai: «e depois de ficar reprovado, fui à imprensa, onde deixei o manuscrito; e um mês depois entregava em casa do lente,


que me reprovara, um exemplar e ia para férias onde meu pai quase-me não falou durante dois meses, - e no fim não me deu mesada para voltar para Coimbra, mas eu fui, disposto a viver do meu trabalho, como de facto vivi...»


§

COSTA MACEDO dedica o seu primeiro livro, o pequenino romance «A Caridade», publicado no Porto, no seu tempo liceal, em 1879, ao tio Pedro de Macedo, com estas enternecidas palavras; - «Meu extremoso Tio - A V. S.ª, cheio de caridade e amor, alma florida guiada pelo caminho do céu, coração repleto de afectos como um cofre de flores que não mirram nem desmaiam vim por este caminho de abre olhos com a oferta que um espírito sem luz pude formar e enviar-lhe.
Muita das habilidades deve a sí existir para V- S.ª porque eu sei o grande consolo da alma carinhosa que recebe pela virtude um protesto de gratidão.
Por esta forma cumpri um dever que é também a tradução do mais brilhante sentimento que possuo.
Posso já assegurar que V. S.ª verterá duas lágrimas nesta florzinha singela; primeiro a deixei eu orvalhada, são duas provas que se reúnem. Da mesma forma a vontade divina obrou o enlace eterno entre o meu e o seu coração. Adeus!»


§

TRINDADE COELHO ficou com as impressões mais desagradáveis da sua vida de colegial; recorda ele com amargr: «Oh, essa vida de colégio, que durou seis anos! Foram seis anos miseráveis, de uma obediência estúpida e passiva, sempre a toque de sineta, eu e mais alguns 300!»


§

COSTA MACEDO, como o revela na dedicatória do seu pequeno romance, gozou de acolhimento e liberdade e autonomia muito diferentes; em todo o caso ele deve ter vivido sentimento comparável ao intimamente experimentado pelo pai de Trindade Coelho ao internar o filho no colégio e ao ser levado a essa decisão.
Eis como Costa Macedo se exprime em carta dirigida ao filho mais velho:
Roberto Eduardo da Costa Macedo, aluno do liceu, internado no "Colégio Aveirense", Aveiro

«Roberto. Recebi a tua carta, pela qual estava ansioso. Contudo bastante lacónica, traduz bom a tua saudade e, como era natural, uma certa dificuldade em te habituares a essa vida numa dura vida, diferente da que tiveste aqui.
Tu compreendeste que o sacrifício em todo o caso não é grande, comparado com as vantagens que deverás colher, sendo estudioso e assíduo cumpridor dos teus deveres. E já no cumprimento dos nossos deveres temos dia a dia uma grande compensação; porque sentimos o bem que se chama a consciência satisfeita.
Demais, se isso é mau, que dirão aqueles infelizes que também longe de suas famílias, ainda crianças, vivem no Brasil, na África, ou mesmo no Porto, na industria ou comércio, às vezes mal alimentados, sem carinhos e debaixo de pesado trabalho:
Comparado com esta situação, que tu sabes ser a de um grande número, isso aí é principesco.
Depois, boa mesa, o cuidado de um bom diretor, a excelente companhia do teus amigos... Quantos desejariam esse bem, mesmo que não fosse para obter a educação que te propões alcançar!
Estuda, pois. Procura no fiel desempenho dos teus deveres a alegrai e tranquilidade da tua alma. Prepara-te assim para sem custo seres em todo o tempo trabalhador honrado e homem de bem.
Quando vieres até nós, o teu e nosso prazer, dado o que te aconselho, serão imensos.
Adeus. Mil saudades nossas. Recados aos teus amigos e companheiros.
Eu te abençoo, meu filho.

Santo Thyrso, 12 out. 1900.

Teu pai Eduardo.»

No colégio, mas frequentando o liceu de Aveiro, desde 1900 a 1905, aí frequentei todos os anos do curso geral, único, nesse tempo, aí ministrado. Tendo de transitar para liceu central, ofereciam-se-me o do Porto ou o de Braga.
Meu pai queria a continuação do meu internamento em colégio no Porto e só anuiu em que me instalasse numa casa de família indo para o liceu de Braga.
Encontrava-me, então, com 18 anos e a ideia que tinha da clausura colegial não andava muito distante da de Trindade Coelho.
Sem perda de ano nos preparatórios, em 1907 transitei, como Trindade Coelho e Costa Macedo, para Coimbra, para frequentar o curso de Direito, da Universidade.



- O ARAUTO - 
Semanário Regionalista e de Cultura
Dois transmontanos -Trindade Coelho e Costa Macedo

11 de Novembro de 1971
- II - 


Foi na velha cidade do Porto, trabalhadora e liberal invita, assente sobre o rijo granito, à margem do Douro, rio bravo e adorável, que passa à margem de escarpadas penedias e de viçosos vinhedos e olivais, rio que foi, nesse tempo, a via principal de trás-os-Montes, em concorrência com as estreitas veredas através do Marão, para a capital do Norte, foi nessa velha cidade que Trindade Coelho e Costa Macedo receberam o baptismo intelectual da primeira produção literária.
Ao consagrar ao Porto a minha afeição, sinto a esta aliado o facto de aqui, na freguesia da Vitória, haver nascido minha  mãe e estou certo de que este sentimento filial devia ter brotado no coração de Trindade Coelho, ao apear-se do barco, que desde a foz do Sabor, o trouxe, pelo Douro, até à cidade que fora berço natal de aquela que, tendo dado à luz, cedo lhe faltara, de quem tinha recordação vaga, mas enternecidamente saudosa.

Faz-nos Trindade Coelho esta adorável confissão:
«De minha mãe eu pouco me lembro com memória; mas eu quando quero muito a uma pessoa pouco me lembro de ela senão com o coração e não sou capaz de me representar mentalmente a sua figura, ainda que a veja a toda a hora»



Mas vamos lá a tecer a história da atividade literária dos dois adolescentes, no Porto.
TRINDADE COELHO é, ele próprio, quem no-la narra:
«E assim fui fazendo os preparatórios todos, e indo a férias depois dos exames, no fim de agosto, para regressar para essa prisão no fim de setembro»
E literatura?
«No colégio eram proibidos os romances ou quaisquer livro que não fossem de estudo, - só me lembro de ter lido às escondidas uma tradução dos três Mosqueteiros de Dumas, e dois ou três romances portugueses, o Mário e não sei que mais.
Mas um dia pus-me a fazer um romance (!) O Enjeitado, cujo manuscrito ainda conservo; e escrevi um conto chamado Uma Trovoada, que dediquei a meu pai, e que foi o primeiro conto que publiquei, mas não a primeira coisa, porque a primeira coisa foi um artigo chamado Cepticismo, que me inspirou a leitura dos jornais numas férias de Páscoa, ao ver que sobre o mesmo assunto, uns diziam uma coisa e outros o contrário, e que não haveria maneira de formar juízo com tal sistema e que o resultado era a descrença.
...E mais nada de leituras»

§

COSTA MACEDO. No «Jornal de Santo Thyrso», de 18 de Setembro de 1958, comecei publicando uma série de artigos intitulada NOTAS BIOGRÁFICAS  e principiei deste modo:
«O meu saudoso e inolvidável amigo dr. António Augusto Pires de Lima escreveu-me para Viseu, onde então exercia as suas funções de Juiz de Direito. Na sua carta o meu amigo dizia-me que, no jornal "O Tripeiro" viera referencia a vários poetas que, sendo ou não do Porto, nesta cidade haviam exercido atividade poética e mais me dizia pedir-se, nesse jornal, que as pessoas das relações dos mesmos poetas lhe enviassem informações sobre estes.
Perguntava-me, por fim, o meu amigo se não quereria enviar a "O Tripeiro" algumas notas sobre a vida de meu Pai, o dr. Eduardo da Costa Macedo, que era um dos poetas incluídos na referencia do mencionado jornal»
Esta delicadeza afetiva me permitiu e levou a enviar a "O Tripeiro" notas que vêm publicadas a paginas 238, 239 do mencionado jornal.
Outro meu saudoso amigo e antigo condiscípulo universitário, o dr. Narciso José de Azevedo, então a trabalhar na Biblioteca  Municipal do Porto, por mim solicitado. escreveu-me, dizendo: «Tenho em meu poder por alguns dias uma revista literária (1879-1880), da qual foram diretor José Leite de Vasconcelos e Ernesto Pires intitula-se "Cancioneiro Português". E logo esclarece: "Coleção de Poetas Inéditas" dos principais poetas portugueses, O teu pai é um dos seus colaboradores com poesias compostas no Porto» 
No Cancioneiro Português figuram os seguintes poetas: Guilherme Braga, Teófilo Braga, J. Simões Dias, Maria do Patrocínio de Souza, José Caldas, Augusto Luso, Maximiano Lemos, Fr. Pedro do Cenáculo, Henrique Marinho, Teixeira Bastos, Maria Peregrina de Sousa, Cesário Verde, Alberto Carlos, Fausto de Azevedo, Catarina de Figueiredo, José de Nápoles, A. Machado, A.F. Marques, Álvaro Castelões, David de Castro, José Pinto de Mesquita Pimentel de Vasconcellos, Ernesto Pires, J. Leite de Vasconcelos, João de Deus, Alexandre Braga, Alfredo Carvalhaes, António Correia, Outeiro Ribeiro, J. Peixoto Miranda, E. da Costa Macedo, Tibério Mendes, Manuel Saldanha, Amélia Janny, Fernando Leal, M. Duarte d'Almeida, António da Cunha, Clorinda de Macedo, António Pereira Zagallo, Júlio César Machado, Guerra Junqueiro, Narcizo de Lacerda, Diogo de Macedo, Sampaio e Castro, Pedro de Lima, Gomes Leal, Reis Damaso, Abel Acácio, Pedro Escarlate, Adriano Antero, Aneres Baganha, Filomena Serpa, Bettencout Rodrigues, Manuel Ventura, Henrique Augusto, J. Pinto de Miranda, Alves Teixeira, Acácio Antunes, Alexandre da Conceição.

§

De COSTA MACEDO, aparecem pelo menos, no "Cancioneiro Português" as poesias "A Samaritana", a fl 44 e 45, "Os Teus olhos", fl 96, e a "Madalena", a fls 121 e 122.
Em 10 de Junho de 1880, Costa Macedo recita versos da sua autoria no Teatro de São João e, no dia seguinte no Palácio de Cristal, em festas de homenagem a Luís de Camões.
A intervenção estudantil, citando o nome de Costa Macedo, nestas homenagens a Luís de Camões, refere-se «O Primeiro de Janeiro» de 12 de junho de 1880 e o «Jornal da Manhã» do dia anterior.
Em 1881, aparece no Porto, saído da Typographia Occidental, da rua da Fábrica, nº 86, o livro de versos intitulado »Vozes Longínquas», com a dedicatória:  «A meus Pais».
A primeira parte do livro é toda consagrada a um hino ao Sol, que deveria ter sido já escrito em Coimbra; mas na segunda parte surgem nas poesias "Samaritana" e "Madalena" escritas no Porto e anteriormente publicadas no "Cancioneiro Português".
O ambiente de que fruiu Costa Macedo, no Porto, foi bem diferente do suportado por Trindade Coelho e permitiu-lhe angariar amizades e convívios preciosos como de José Leite de Vasconcelos  (J. L. de V. Cardoso Pereira de Melo) que, em 1880, lhe oferecia um exemplar do seu livro de poemas «A Consciência dos séculos», com afetuosa dedicatória: «Ao amigo inteligente e modesto Ed. da Costa Macedo ass., como prova de muitíssima estima, o autor.»
Em 1884, J. L. Vasconcelos publica o livro de poemas, em dialecto mirandez «Flores Mirandezas» e dedica ao amigo a poesia, de fl 15, «A UNA», que vale bem a pena ler, e lhe oferece um exemplar do livro; «At son hõm amigo E. Costa Macedo ass., como lembrança del tiêmpo de Fabaios, "Lanho passado", L autor».
Quando me encontrava como delegado do Procurador da Republica em 1919, na comarca de Sátão, escrevi-lhe a pedir me elucidasse de onde vinha o nome «Sátão» e prontamente me foi dada resposta, que merece ser transcrita e veio em simples postal: «Lisboa - rua de D. Carlos Mascaranhas, 22-III.919 Ex.c.eI Tem graça, que estava p. lhe escrever! Até tinha ido ao Almanaque e como li Advogado em S. Tirso escrever-lhe-ia p. lá. Primeiramente a respeito do seu postal.
O nome antigo de Sátão é Zaatan, mas há antes forma que tenho por primitiva d'esta, é Zalátane, do Séc. XI. O nome moderno deve rigorosamente escrever-se Çátão. É possível que originariamente fosse nome de homem, porém mais posso adiantar.
O motivo pelo qual eu queria escrever era este. Encontrei ainda no Porto, uma lista de obras que eu havia emprestado a estudantes e nela estavam várias a seu Pai e meu saudoso am.º. É possível que elas ainda estejam na sua mão; se porém não estiverem, não se fala mais no caso. Agora não mando a lista porque se me extraviou de novo; em a achando lhe escreverei. Isto já passou há muito tempo, e eu esqueci-me das obras. Vist que V. E. está em Çátão, aproveito a ocasião p. lhe perguntar se em Fráguas ainda existirão na casa da Câmara umas ferragens antigas, respeitantes a criminosos, as quais lá vi há anos. Oficiei também há anos à Câmara a pedi-las para o Museu Etnológico, porém não obtive resposta. D.V.E. am. Leite de Vasconcelos»

§

Perguntar-se-à porque trago aqui a capitulo  amizade do notável etnólogo e filosofo e poeta José Leite de Vasconcelos a Costa Macedo. A explicação virá mais tarde, quando ingressarmos no palco conimbricense, nas relações literárias aí mantidas entre os dois transmontanos.

§

Quando Costa Macedo frequentava o liceu do Porto e estava regente do Reino a Rainha D. Maria Pia, a academia liceal fez deslocar a Lisboa uma comissão eleita para expor à rainha uma pretensão.
Já a comissão partira para Lisboa, quando Costa Macedo expôs aos colegas novas razões, novos argumentos conducentes a obter-se a pretensão. E tão claros e persuasivos foram os seus argumentos, que logo se abriu subscrição e Costa Macedo foi enviado a Lisboa, a juntar-se à comissão que antes dele para ali partira.
A inteligência e vivacidade de espírito aqui incontestavelmente se revelou, embora, apesar de tudo, a pretensão não chegasse a obter deferimento.

O livro «Vozes Longínquas» e de versos, e fecha com estas palavras modestas:
«Cometi a temeridade de publicar esse pequeno livro de versos, quando são tantos e vigorosos os talentos poéticos, que na nossa literatura hodierna têm levantado os seus nomes a ponto de se tornarem para todos os tempos a indicação sublime d'espiritos gigantes. Há vida e muito fogo nos corações iluminados d'esta plêiade austera que atravessa cantando, a estrada longa de trabalho afugentando a sombra e derramando a luz.
São essas almas cândidas e fortes que vão como vagas luminosas, com um ímpeto sagrado num embate violento, precipitar-se na luta pelo bem, pela Verdade, pela Justiça, o ideal mais nobre e sedutor de quantos podem cintilar no espírito privilegiado do poeta. São essas almas que nunca se compreendem, porque têm uma força misteriosa, com que produzem a criação de mundos que a gente sabe admirar apenas.
E é nesta época fertilíssima para Portugal em belos génios poéticos que eu trago à crítica estes versos de pouca arte, - alguns pedaços da minha alma obscura.
Deve, contudo, conhecer-se logo que são versos de rapaz.

Coimbra, 1881, E. Costa Macedo»


- O ARAUTO - 
Semanário Regionalista e de Cultura
Dois transmontanos -Trindade Coelho e Costa Macedo

1 de dezembro de 1971
- III - 


Vinha do cinema Trindade, quando ao passar na rua da Conceição, me quedei ante à montra de livraria de livros usados que faz esquina desta com o antigo largo da Picaria.
Na montra estava uma série de livros usados a 5$00 cada e reparei que entre estes se encontrava a Autobiografia de Trindade Coelho, mas, numa injustificável indiferença segui em frente.
Chegado a casa, veio-me à ideia o livro. Não o possuía, nem o havia lido. E era uma obra de Trindade Coelho! Talvez o baixo preço, no momento da minha passagem pela livraria, me levasse a desmerecer da obra.
Apressou-me a curiosidade e no dia seguinte voltei à rua da Conceição. Olhei a montra; já lá não estava a obra. Entrei na livraria a saber se a haviam recolhido ou se a tinham vendido. Nada me disseram de positivo e outro exemplar me declaram que não tinham.


Nos dias imediatos, passei a correr as livrarias, mas por toda a parte me diziam que se haviam esgotado a edição.
Lembrei-me da alfarrabista D. Elisa, da rua de Aviz, que tinha o estabelecimento mais bem montado de livros usados aqui no Porto, e fui lá, sendo certo que a minha frequência ali era relativamente assídua.

§

Antes de dado este passo, estive na Biblioteca Municipal e pedi a obra e quedei-me a folheá-la com interesse que se ia avivando ao virar de cada folha.
Primeiro, o admirável prefácio de Dª Carolina Michaelis de Vasconcelos, depois a autobiografia e, por ultimo, as cartas, a correspondência epistolar de Trindade Coelho. Tudo Admirável.

§

Foi estimulado por este banquete intelectual que me socorri dos livros usados da rua de Aviz.
Como na rua de Ceuta era o Tribunal de Recurso de Avaliações, onde presidi, durante alguns anos, a vizinhança originava a minha passagem, quase diária, pela livraria, onde apareciam algumas figuras de recorte aristocrático mental e fisico, como o velho Conde de Alvelos.
O meu queridissímo e saudoso Jorge Faria, antigo companheiro de republica coimbrã, mestre e historiador de Teatro, cuja memória se atesta em sala da Faculdade de Letras de Coimbra, estudioso e investigador, muitas vezes se socorreu de D.ª Elisa na arrecadação de velhos e preciosos alfarrábios.

§

E foi à D.ª Elisa que expus as minhas andanças na baldada procura da Autobiografia de Trindade Coelho.
D.ª Elisa que saudosamente rememoro pelo seu modesto mas valioso talento e espírito atencioso, colocou, então, à minha disposição um exemplar tão bem conservado e limpo que parecia mesmo vindo diretamente da casa impressora e pela módica importância de 50$00.
Assim adquiri pelo décuplo o que por ignorância ou inconsideração ou possível ou indolente forretice, deixei de adquirir pela décima parte, mas que paguei rejubilando e triunfante, sentindo-me enriquecido.

§

Passados tempos, descendo a rua de Santo António, que já foi de «31 de janeiro», vi na montra de uma livraria um exemplar de «Os Meus Amores» com uma cinta a indicar, em grandes caracteres, 16ª edição.
A  elevada tiragem, excepcional, em livros portugueses, fez-me impressão, mas não me detive. Só dias depois voltei à livraria e aí me disseram que já não tinham o livro e que a edição se havia esgotado.
Mas noutra livraria não muito distante, na rua de Sá da Bandeira, consegui a adquirição pretendida e me elucidaram de que a tiragem excepcional de «Os Meus Amores», era devida ao fato de a obra estar recomendada nas escolas.
Nesta 16ª edição a seguir aos contos, vem uma folha apenas com as seguintes palavras.

«AUTOBIOGRAFIA

Só na folha imediata começa a Autobiografia, com a data de 6 de abril de 1902.
No índice, a Autobiografia, com  vem emparceirada com os Amores, mas em ultimo lugar.
Na ultima folha, desta 16ª edição, consigna-se: «Este livro foi composto e impresso para  PORTUGÁLIA EDITORA na Tip. do "Jornal do Fundão", Rua de antónio Maria Pinto - Fundão - setembro de 1968.».
A primeira edição de «Os Meus Amores» apareceu trazida pela Livraria de António Maria Pereira, de Lisboa, em 1891.
Desta primeira edição possou um exemplar oferecido a Costa Macedo com a seguinte dedicatória: «Ao meu queridissimo Eduardo da Costa Macedo afectuosíssima lembrança de amizade e demonstração carinhosa do muito que o meu espirito admira o teu com um abraço» Trindade Coelho, julho 1891.
Vem a primeira edição prefáciada com um soneto de Luiz Osório e contem os contos. Edílio Rústico, Sultão  (conto do natural), Ultima Dádiva, Prelúdios de Festa, Tipos da Terra, Vae Victoribus!, Maricas, Para a EScola, Tragédia Rustica, Abyssus Ahyssum..., Mãe! Arrulhos, Batalhas. Domésticas.
Eis o soneto de Luis Osório


Folhas dispersas dos meus sonhos de oiro,
Vivo enxame das minhas alvoradas,
tenho zelos de vós, folhas sagradas,
As Desde-monas sois de um outro moiro,

Folhas: subi, voai ao céu tão alto,
Que o céu em estrelas vos converta e mude,
Lá nas nas longínquas ilusões que exalto;

Como as fermentes águas d'um açude,
Levai a Deus, no derradeiro  salto,
O derradeiro adeus da juventude...

Na terceira edição, que veio a publico em 1901, apareceram como na 16ª «Amores Velhos», «Amores Novos» e «Amorzinhos».

O aparecimento da «Autobiografia» na 16ª edição pode conduzir à convicção errada de que foi escrita para vir a público.

§

A Autobiografia tem de ser lida com a religiosidade, com a devoção com que foi escrita, para ser devidamente compreendida e acarinhada, toda espiritualidade.

Temos de manter a crença plena de que Trindade Coelho não a escreveria para o público, para ambiente que não fosse o santuário feminino, maternal, puro, castro, fiel, resplendente de inteligência e de bondade, de afeto, de dedicação, de ternura.

A Autobiografia foi escrita para M.elle Louise Ey, por ela solicitada e só por ela dedicada.
É profanação concluir o contrário.
Henrique transcreve, em nota, a carta de 19 de março de 1902, de Trindade Coelho, a mademoiselle Luise Ey, a carta que é, verdadeiramente, complemento da Autobiografia.

« A minha biografia está toda no que lhe mandei! O resto creio que não interessa; e à parte a colaboração do caso que fez, por exemplo, que eu me formasse em direito e não noutra ciência qualquer, o resto da minha vida é a flor e o fruto daquela semente... Educado no meio do povo, eu mesmo saído do povo, os meus contos são rústicos e singelos e são contos e não romances, por exemplo, porque eu em pequeno só lia e ouvia contos e talvez porque o pobre Domingos Louceiro só fazia objetos pequenos, e todos de barro da terra...
Também o meu barro é da minha terra, porque a minha linguagem é de lá. Nunca fui político (sendo-o toda a gente no meu país) porque a politica tal como é em Portugal, repugna naturalmente a certos princípios morais e, por outro, influência da minha mãe...
Numa palavra, eu estou todo nesse capítulo inicial da minha biografia. Se é que a nossa biografia não termina com a morte de nossas mães... Eu creio que sim - e que o resto é menos o produto do acaso e das circunstancias do que do sangue donde provimos, do meio onde nascemos e da influencia dos pais nas primeiras idades, principalmente da mãe...
Uma alegria tenho: a minha vida não tem sido indigna de meus pais. Com isto me contento. Creio no que eles criam e observo o que eles me ensinaram.
Quando me meto a aplicar o que eles me ensinaram, sinto-me mais perto deles; do meu pai pelo trabalho; da minha mãe pela bondade,

Transcrita a carta, Henrique acrescenta:

« Carta de Trindade Coelho a mademoiselle Luise Ey, em 19 de março de 1902, referente ao capítulo da sua autobiografia que dedicou à Ilustre Escritora a quem o filho deve um mundo de dedicações e de extremos!»


«Sou intima das duas beneméritas que germanizaram "Os Meus Amores" e fazem lá fora propaganda activa por todas as obra-primas ofertadas e consagradas por Trindade Coelho às gerações novas - esperança da renovação da pátria pela educação e pela instrução»

E indicamos, em nota, as duas beneméritas: Louise Ey e Maria Abeking

§

Além da carta aqui transcrita e dirigida a mademoiselle Ey, o filho Henrique traz a público cartas: 1 a Luiz Derouet, 1 ao redator da «Voz Pública», 1 ao dr. António Carvalho, 1 a Gomes Leal, 2 a Paulo Osório, 10 a mademoiselle Luise Ey, 1 ao dr. António de Magalhães, 1 ao dr. Pires de Campos, 1 a Júlio Brandão, 1 a José Pesanha, 1 a Vidal Oudinot, 3 a Augusto Moreno, 1 ao dr. Pedro Nunes, 2 a Júlio de Lemos, 1 a Cândido Loureiro, 2 a Afonso Lopes, 1 a J. Monteiro Aillaud, 1 a Fausto Guedes Teixeira, 1 a madame B, 7 a D. Carolina Michaelis de Vasconcelllos, 4 a António Correia de Oliveira.

§

Meditemos no que nos diz essa formidável mentalidade de mulher que resplandece em D. Carolina Michaelis de Vasconcellos a respeito das cartas de Trindade Coelho trazidas a público, pelo filho Henrique juntamente com a Autobiografia:

«A seleção foi feita pela mão do filho, num lento e doloroso trabalho, com tão piedosa discrição e acerto artístico tão seguro que, qualitativamente, constituem um colar, ou antes uma coroa de diamantes de puríssima água e cores de raro fulgor. Pela essência e pela forma são dignas de figurar, ao lado dos "Meus Amores", entre as criações modelares da literatura pátria, tão pobre em cartas familiares, Memórias, Autobiografias, pormenorizadas, que ao mesmo tempo sejam obras de arte. E mais do que isso, são dignas de serem ponderadas como precioso documento humano. Consoladoras na sua probidade ingénua, e por ela superiores p. ex. de H. Heine, com a qual rivalizam pela graça, pelo espírito, e a força sugestiva.»

Trindade Coelho teve a felicidade imortalizadora de ver a sua obra compreendida, afagada, acarinhada, e propagada por três mulheres de alto e sublime espírito.
Quem ainda não leu, e a não possui, a Autobiografia, trazida a público, pelo filho Henrique, acompanhada do prefácio de D. Carolina Michaelis de Vasconcelos e das cartas de Trindade Coelho, corra sem demora a uma biblioteca, se quer admirar do que de mais belo se pode encontrar na literatura portuguesa.



- O ARAUTO - 
Semanário Regionalista e de Cultura
Dois transmontanos -Trindade Coelho e Costa Macedo

23 de dezembro de 1971
- IV - 


Conheci pessoalmente Trindade Coelho e o filho Henrique (graças a Coimbra!). Trindade Coelho por ter sido condiscípulo universitário de meu pai; Henrique por ser quintanista de direito, quando ingressei no primeiro ano do mesmo curso.
Trindade Coelho conheci-o em Santo Tirso, quando ele aqui veio em consequência do falecimento da mãe de Costa Macedo, minha avó paterna. A imprensa local anunciou o facto:

Disse o «Jornal de Santo Thyrso, de 20 de setembro de 1906: - «Por motivo do falecimento da saudosa mãe do sr. Dr. Costa Macedo, esteve, na sexta feira passada, nesta vila, o sr. dr. Trindade Coelho, um dos mais distintos escritores portugueses e apóstolo devotado da instrução. Muito nos penhorou a amável visita de S. Ex.a a esta redação».

Também o outro semanário local «Semana Tirsense», de 16 do mesmo mês, deu conta do acontecimento: - «De visita ao seu particular amigo Sr. Dr. Costa Macedo, esteve anteontem e ontem nesta vila o sr. dr. Trindade Coelho, digníssimo delegado do Procurador Régio numa das varas de Lisboa, e um dos mais ilustres escritores do nosso país, autor apreciadíssimo dos MEUS AMORES, In Illo Tempore, Manual Político do Cidadão Português, etc. Sua Ex.a hospitalizou-se no acreditado e antigo Hotel Caroço».


Porque visitou Trindade Coelho a redação do «Jornal de Santo Thyrso»? A explicação será dada oportunamente.
O que é certo é que Trindade Coelho veio a Santo Tirso «por motivo do falecimento da saudosa mãe do Sr. Dr. Costa Macedo».
Éramos então inclinos de um prédio situado na velha rua de São Bento e pertencente à família Santarém, que residia em prédio confinante com o nosso.
Estávamos todos, os da família, reunidos numa sala carpindo a velhinha, quando anunciado, Trindade Coelho veio para junto de nós.
Meu pai apresentou-nos, a mim e a minhas irmãs, Elisa e Inês, e o visitante tratou-nos com a maior afabilidade, por sobrinhos, pondo-nos inteiramente à vontade, como se fosse pessoa de família e há muito tempo do nosso conhecimento.
Achei-o muito simpático e minhas irmãs, de menos idade, também foram cativadas por esse poder de simpatia.
Encontrava-me com 19 anos, no último ano de preparatórios, frequentando o liceu de Braga e, no ano seguinte, matriculei-me em Direito, na Universidade de Coimbra.

§

A alma filial de Trindade Coelho falou-nos da mãe saudosamente, em saudade que vem desde a infância, da ingénua e santa infância:
- «Da minha mãe eu pouco me lembro com a memória;mas eu quando quero muito a uma pessoa pouco me lembro dela senão com o coração e não sou capaz de me representar mentalmente a sua figura, ainda que veja a toda a hora.
Só me lembro que me bateu uma vez, e ao bater-me estava a chorar e a rir-se e a beijar-me ao mesmo tempo. Eu tinha-lhe aparecido em casa sem camisa, por a ter tirado atrás de uma parede, no campo, para a dar a uma criança da minha idade que não tinha, e fazia muito frio, porque era inverno. Tirado isto, de pouco mais me lembro: só de a ver arranjar a nossa roupinha branca, e a pontear meias sentada numa cadeirinha baixa, numa salinha que se chamava de convento porque a janela dava para o convento de S. Francisco que ficava ao pé» (Da «Autobiografia»).
«Numa palavra, eu estou todo nesse capítulo inicial da minha biografia. Se é que a nossa biografia não termina com morte das nossas mães.» (Da carta de 19 de março de 1902, a M.elle Louise Ey).

§

Vejamos agora como se conjuga o amor filial de Costa Macedo ou como se entrelaça no amor filial de Trindade Coelho, no amor e carinho votado às mães.
No mesmo número do «Jornal de Santo Thyrso» que anunciou a vinda a Santo Tirso de Trindade Coelho, lê-se ainda:
«Sofre neste momento uma dor profunda o nosso prezado amigo e distintíssimo  causídiaco tirsense Sr. Dr. Costa Macedo, em cujos sentimentos de filho amantissimo a morte acaba de ferir um doloroso golpe.
Viu falecer na pretérita sexta feira sua querida mãe, a exma. Sr.ª D. Maria do Carmo da Costa Macedo, que sucumbiu aos estragos da provecta idade de 87 anos.
Senhora de preciosíssimas virtudes, duma bondade extrema, ela a todos cativava pelas suas nobres qualidades, deixando por isso também em todos, agora que foi viver para a mansão celeste, uma impressão de saudade.
Filho exemplaríssimo, adorando a família, como poucos avaliamos a dor que sofre o nosso querido amigo Sr. Dr. Costa Macedo.
A S. Ex.ª, bem como, a seu filho Roberto, e à restante família enlutada a expressão sentida do nosso pezar.»

As frases «filhos exemplaríssimo» e « filho amantíssimo» do «Jornal de Santo Thyrso», a expressão «adorando a família, como poucos», não significam lisonja, são o significado de verdade real traduzida em factos de dedicação, de sacrifício, de amor.


§

Desde menino, ao colo da ama, visitei, com meus pais, a casa de Favaios, onde viviam meus avós paternos.
Recordo-me de ali ter estado ainda em vida do avó António Roberto Álvares da Costa de quem conservo na memória os traços fisionómicos e a sua figura elegante.
Da última vez que ali fui, já o avô, com mais de oitenta anos, falecera e lá estavam somente a avó e seus irmãos Francisco e Maria Virgínia ambos cegos.
Padre Francisco fora reitor de Alijó e veio de ali para casa de Favaios por se encontrar octogenário, quase cego, impedido totalmente de dizer missa (Trindade Coelho também tinha um tio reitor e a ele se refere na Autobiografia).
Falecido o tio Reitor e liquidados os assuntos respeitantes à vida económica e financeira da casa de Favaios, as duas velhinhas (a avó e a tia Maria Virgínia) vieram para Santo Tirso, para casa de meu pai, onde ficou também a viver minha tia paterna Maria Adelaide.
Com as duas velhinhas e a tia Maria Adelaide veio ainda uma filha ilegítima do tio Augusto, irmão mais velho de meu pai e há muito falecido.
Maria Virgínia a ceguinha, era duma docilidade admirável, durante alguns anos suportou com angelical resignação um cancro no peito e faleceu anos antes da irmã.
Um filho ilegítimo de meu tio materno Alfredo de Azevedo chegou a viver em nossa casa, a pedido do pai, durante cerca de dois anos para frequentar a escola primária complementar, que, então, havia em Santo Tirso, onde se administrava português e francês e outras disciplinas e que era regida pelo professor Fernando Pires de Lima.
Assim Costa Macedo deu exemplo, bem frisante, bem palpável de abnegação de amor, de sacrifício, de generosidade.
A filha do tio Augusto, quando deixou a nossa casa, ia habilitada com o curso de professora primária, emancipada, capaz de sustentar-se com o seu próprio esforço e foi colocada em escola de uma freguesia do conselho, muito perto de Santo Tirso, da vila.
A preocupação do dinheiro no sentido de amealhar nunca o preocupou e, apesar dos pesados encargos familiares a sua generosidade para com os estranhos era notável.
Tudo correria bem e seu pai se consideraria o homem mais feliz do mundo, se não surgisse o falecimento da minha mãe ocorrido em 22 de janeiro de 1903.
Este gemido angustioso fotografa nitidamente o seu estado de alma:

VIUVEZ
Ninho sem ave. 
Ave sem ninho, 
Fonte sem água, 
Lar sem lume, 
Cinza sem fogo, 
Ara sem nume: 
Tal deixou aqui meu bem sózinho! 
Santo Tirso 17-08-1904».

Este estado de angustia vai-se avolumando com o decorrer do tempo. Em 27 de abril de 1916, encontrava-se no seu escritório de advogado onde me tinha como companheiro e colega estagiário; estava ditando trabalho jurídico,; a um escriturário; em certa altura, parando de ditar esse trabalho, voltou-se para mim e pediu-me para escrever uns versos que tinha acabado de compor:

Nem eu mesmo me conheço, 
De tão outro que me sinto. 
Que aos próprios olhos pareço
Metido num Labirinto

Onde o que fui se perdeu,
Nunca mais dali voltando,
E o que sou chora, pensando,
Que o que fui lá morreu.

Não tardou muito a chegar o seu fim; no dia 20 de maio de 1916, oito anos depois da morte trágica de Trindade Coelho, falecia suavemente, como espírito tranquilo, fatigado da vida terrena, com todo o dever cumprido, merecedor de eterno repouso junto de aquele bem que há muito o deixara aqui sozinho, o Dr. Eduardo da Costa Macedo. Havia completado em 15 de novembro, do ano anterior, 56 anos.


§

A minha saída de Santo Tirso, em 1918, para ingressar na carreira do Ministério Público, o peregrinar de comarca em comarca, primeiro como delegado do Procurador da Républica e depois como Juiz de Direito, as preocupações mentais que se afogam nos processos, que surgem por vezes em caudalosas correntes, a vida afectiva, e preocupante por vezes, de quem criou à sua roda família numerosa, só permitiram mais tarde pensar nesta tarefa de avivar velhas recordações sobre Trindade Coelho e Costa Macedo.
Durante algum tempo perguntei a mim mesmo; Trindade Coelho como se manifestaria ante a viuvez de Costa Macedo, ele que se deslocou a Santo Tirso, para abraçar o amigo na altura do falecimento da mãe? Suponho ter encontrado a resposta no artigo que a seguir e que veio publicado no «Jornal de Santo Thyrso, de 22 de janeiro de 1903:

«D. CRISTINA MACEDO
Há desgraças perante as quais se suspendem de comoção todos os corações.
Só a Natureza se não comove, - essa Natureza a quem alguns não negam alma, e que caprichosamente, estupidamente, desfaz de repente um lar, destrói a harmonia e a felicidade de uma família.
Foi assim a desgraça sucedida ao Dr. Costa Macedo.
Deram-nos a noticia subitamente. Ouvimo-la duvidosos, com alma a negar-se a crer. Semelhantemente aos grandes golpes rápidos, que nos dilaceram as carnes e de que à primeira impressão não temos consciência, assim este golpe moral nos deixou abalados, hesitantes, sem compreendermos a profundidade da nossa dor.
Depois foi-nos serenando o espírito: formos refletindo; foi-se lentamente apagando a névoa que nos ofuscava o coração e o espírito. Vimos então bem a nu toda a imensa desgraça. Vimos viúvo o Dr. Macedo; vimos aquela alma imaculada aquele espírito superior, aquele coração puríssimo, despido brutalmente de metade de si mesma, e da metade que lhe era mais querida. Vimos três crianças sem mãe, contemplamos todo o horror, toda a desesperação, toda a angustia daquele esposo e daqueles filhos.


§

O mundo é isto: nascer, viver, morrer, tudo ao acaso, ao arbítrio da cega Natureza, que lhe importa a ela despedaçar com a mais cruel de todas as dores o mais justo de todos os corações?
Encontra um homem um coração feminino que concretiza o seu ideal. Amam-se, unem-se; vêem saltar alegres os filhos em torno de si: - e surge de repente a Morte, essa força brutal que ninguém conhece e separa esses dois seres quase fundidos, arranca uma alma da outra alma, e obscurece de trevas e de dor o espirito das pobres crianças, tão cedo feridas pelo braço cruel da desventura.


§

A vida é isto. Que nos resta fazer, a nós, miseráveis seres estamos sujeitos à mesma fatalidade?
- Cruzar os braços ante a força omnipotente da Natureza, dar um grande aperto de mão a pobre esposo e aos pobres filhos, e verter uma lágrima sobre o ataúde daquela santa, que ainda há poucos dias sentia o seu belo espírito iluminado pela dulcíssima luz do amor de esposa e mãe e agora começa a aniquilar-se sob a terra fria do cemitério.»


§

Estas palavras tão repassadas de sinceridade, tão comovidas, tão testemunhadoras de comunhão de sofrimento, só podem ter vindo de alma possuidora dos mais nobres sentimentos, de coração repleto de afectividade, de amor fraterno sem menor aresta, de carácter integro e de inteligência de esplendor brilho e, por isso, nelas descubro o espírito de Trindade Coelho.
Mas não me surpreenderia, se me provassem que elas provinham de Manuel de Oliveira Ramos, outro formoso e cristalino carácter, outro grande e lealísssimo amigo, de Costa Macedo.


ROBERTO Costa MACEDO


- O ARAUTO - 
Semanário Regionalista e de Cultura
Dois transmontanos -Trindade Coelho e Costa Macedo

20 de janeiro de 1972

- V - 


Quando em 1907, no periodo da ditadura chefiada pelo estadista, João Franco, estalou a greve académica, Henrique Trindade Coelho encontrava-se em Coimbra, no quarto ano de Direito, sendo a minha posição estudantil no sétimo ano de letras, no liceu de Braga.
A greve irrompeu nas Universidades e, impulsionada por estas, estendeu-se pelos liceus.
Quando tal impulso chegou aos liceu de Braga, confesso que tive de meditar entre os deveres da camaradagem e as obrigações filiais, vista a minha menoridade e os sacrifícios que meu pai estava fazendo, para manter-me nos estudos e o amor e admiração e respeito que lhe tributava. Escrevi-lhe, pedindo o seu parecer e ele, logo que lhe foi possível, me respondeu por escrito, nos seguintes termos criteriosos, normas de fino trato que lhe era peculiar e era dom da sua alma:

«Meu querido Filho; Se não tivesse andado, desde domingo, um pouco doente dos olhos, teria já respondido à tua penúltima apreciável e muito apreciada carta, que te agradeço. Agora, embora com sacrifício, pela continuação do referido incómodo, repondo a ambas.
Como te disse, deverias ponderar que, sendo, ao menos na maior parte, menores os alunos do liceu e sendo a greve lesiva, não só dos interesses desses alunos, como também, mais ainda, dos interesses de seus pais ou ...



daqueles que os sustentam, tal deliberação só deveria tomada, ouvidos os pais ou quem os representa, com relação a cada aluno menor, e, prestando eles autorização para esse fim.
Deverias ponderar, que muitas vezes fazem as respectivas famílias grandes sacrifícios para a educação dos filhos ou parentes. Deverias, porém, fazer ver muito sinceramente exponhas essas considerações e, se, não obstante creres serem justas e dignas, a maioria se deliberasse no sentido da greve, aceitarias essa deliberação, ou melhor, acatá-la-ias.
Agora o que te recomendo, com a máxima instância é que faças porque todos se conservem dentro da linha de perfeita correção, fazendo saber ao reitor e ao corpo docente que lhe tributam todo o respeito e aderem à greve unicamente como demonstração de solidariedade académica. Se não poderes conseguir essa atitude dos teus colegas, segue-a tu resolutamente.
Do que se for passando dá-me notícias.
Mil saudades nossas. Beijos das tuas irmãs. Um grande abraço meu.
Teu Pai, m.to A.:
Eduardo              
Santo Thyrso, 9-12-1907

Transcrevo o que, a propósito desta carta, há anos escrevi:
«Aos colegas mostrei esta carta, apenas a recebi, e ela obteve o melhor acolhimento de todos esses excelentes rapazes, Tudo se passou ordeiramente e pelo melhor.
A maioria acatou as instruções vindas da Academia coimbrã, mas não  deixaram de ser tributadas ao nosso Reitor e Professores as atenções, que foram recomendadas com a máxima instância, e estes, compreensivos, as receberam gentilmente.
Recordar é viver, afirmam os evangelhos, por S. João, XVI, 7 e 8: mas eu digo-vos a verdade: a vós convém-vos  que eu vá: porque se eu não for, não virá a vós o consolador. E Ele, quando vier, arguirá o mundo do pecado, e da justiça e do juizo.
Cinquenta anos decorreram.
A luz estava oculta durante esse longo período, resplandece e brilha com o seu antigo resplendor.
Na nossa literatura epistolar, bem reduzida, afigura-se-me poder a transcrita carta incluir-se: - não só pelo brilho da prosa, que é simples e familiar, mas pelo pensamento equilibrado, o bom senso, o fino trato, a apurada sensibilidade, a delicadeza de sentimentos e de maneiras, o amor paternal e o tato educador, que dela transluzem»

§

Pouco tempo depois de ter dado entrada na Universidade, no começo do meu primeiro ano, fui apresentado a Henrique Trindade Coelho nos «gerais» pelo meu patrício Américo de Castro, que revelou clara satisfação de invocar os nomes de Trindade Coelho e de Costa Macedo.
Fui tratado cortêsmente, mas não voltei a encontrá-lo  nem a avistá-lo.
Todavia apressei-me a adquirir o livro de versos, intitulado «Carvões» que nesse mesmo ano trouxera a público.
Já lá vão quase sessenta anos, não faço a menor ideia dos poemas, nem do rumo que levou o volume que adquiri.
Fui há dias à Biblioteca Municipal aqui do Porto à procura dos «Carvões», mas percorridos os índices e rebuscados os ficheiros , não foi encontrado a obra.
O funcionário que muito solicita e gentilmente me atendeu, só encontrou e pôs à minha disposição, da autoria de Henrique Trindade Coelho, o livro, em prosa, intitulado «Ferro em brasa».
Esse livro saia da «Livraria Ferreira - Editores, 132, rua Áurea, 138, Lisboa, nele se indica serem do mesmo autor os livros de versos «Carvões» e «Amores Novos» de, respetivamente, 1907 e 1911; a dedicatória é «À memória de Beldemónio (Ed. de Barros Lobo) meu Amigo»
Começa o livro deste modo:

«Duas palavras,
As crónicas ligeiras deste livro são as anotações lançadas à margem de dois meses de história do nosso País.
Elas não podem agradar a ninguém porque ninguém adulam.
Riem um pouco da politica e imensamente dos políticos.
No fundo  riem de tudo e de todos, começando mesmo por alguns assobios à chamada opinião pública que, por ter de julgar este livro, fatalmente o declarará subversivo e idiota.
Esta certeza nos consola.
De resto, a divisa da nossa consciência, como diria um senador, vai na página seguinte.
Os que souberem francês - que traduzam.
Os que ignorarem a lingua - que passem a adiante, sem contudo desesperarem da pasta dos estrangeiros.
E até à vista, pois prometemos voltar.
"Lové pour ceux-ci, blâmé par ceux-lá, me moquant des sots, bravant les méchants, je me hate de rire de tout... de peur d'étre obligé d'en pleurer."
Beaumarchai»


O índice indica quais os assuntos incluídos no livro e que foram objeto das preocupações do espírito do autor:
   
  

Sem comentários:

Enviar um comentário

agradeço o seu comentário
COSTA MACEDO